O plano original era pousarmos na base Frei – o Proantar tem uma parceria intensa com o Chile nesse sentido – e então seguirmos de navio para a base brasileira, onde passaríamos dois dias. Ao chegarmos em Punta Arenas já sabíamos que esse plano teria de ser alterado: o inverno chegou um pouco mais cedo à Antártica esse ano e parte do mar já estava começando a congelar, então os navios precisariam voltar mais cedo, trazendo de volta ao Brasil os pesquisadores que estavam na estação e seu material de coleta. Assim, passaríamos apenas uma noite na base brasileira levados por um dos navios a partir da base chilena.
Porém, como não conseguimos pousar na Antártica no primeiro dia que tentamos (uma pena, o tempo estava perfeito, o que é raro, mas tivemos problemas com o Hércules), os navios brasileiros que estavam só nos esperando para essa travessia iniciaram seu retorno ao Brasil, pois não poderiam arriscar esperar nossa segunda tentativa de pouso.
Fomos bem sucedidos em nossa segunda tentativa (o pessoal do sexto voo da mesma operação demorou seis dias para conseguir chegar à Antártica!), mas não pudemos ficar em solo antártico por mais de duas horas, pois esse é o tempo máximo para segurança do Hércules. Mais que isso, o combustível congela…
Tivemos então nosso breve momento de alegria intensa e logo retornamos a Punta Arenas. No dia seguinte, o pessoal da FAB voltou à Antártica para treinar pouso e decolagem, faz parte do processo de formação dos pilotos que atuam nessa operação. Não conseguiram realizar os treinos por conta do mau tempo e tivemos que ficar um dia mais em Punta Arenas. Por sorte, conseguiram na segunda tentativa, senão só poderiam realizar os treinos no próximo verão e havia piloto ali por um isso de se formar.
Ficar na Antártica por menos de duas horas foi doído. Mas talvez ainda mais frustrante tenha sido estar em Punta Arenas sabendo que o Hércules estava novamente na Antártica. Que vontade de ir junto! Mas isso não é permitido: quando os pilotos vão para realizar treinamento, somente eles seguem. Nem a tripulação de bordo do Hércules, que serve uns lanches caprichados, vai. Isso porque a aeronave não pousa de fato, somente arremete. Até pedimos para ir junto e ficar na base chilena durante o tempo de ensaio dos pilotos, mas nos explicaram que não poderiam arriscar nos deixar em solo sem a garantia de que depois poderiam pousar. Como o tempo muda muito rapidamente na Antártica, a possibilidade disso ocorrer é grande. Assim, ficamos tão perto e tão longe de um pouco mais do continente gelado…
Durante o retorno da primeira frustrada tentativa de pouso, vim conversando com o Paulo, que integra uma equipe que está realizando um documentário (“Asas Antárticas”) sobre o trabalho de apoio da FAB ao Proantar. Ele me contou que a equipe já contabilizava 82 horas de Hércules e somente 5 de Antártica e nenhuma de base brasileira (EACF) no continente austral. Se formos comparar, até que tivemos sorte, pois contabilizamos cerca de 30 horas de Hércules, quase 2 horas de Antártica e os alunos vencedores do concurso ainda tiveram 15 minutos de EACF…
Se formos ainda considerar que muitos membros da Marinha sonham em conhecer o continente geado e isso é privilégio para poucos marinheiros que passam por uma seleção bastante rigorosa e que pessoas de alta patente e amplo tempo de serviço, como o Almirante Zamith e o Brigadeiro Ismailov (mais informações na série “personagens” que logo iniciaremos aqui no blog), conheceram a Antártica pela primeira vez e também por duas horas junto conosco… demos sorte mesmo!
Essa experiência nos mostrou na prática o quão complexas são as operações do Proantar e quantas atividades são realizadas a cada ida ao continente gelado! Também, deixou claro aquilo que navegadores e voadores experientes em Antártica sabem bem: na Antártica, quem manda é o tempo, quem manda é a Antártica. As tecnologias todas que desenvolvemos nos ajudam muito a estarmos por lá, mas não se sobrepõem ao determinado pela natureza. Esse equilíbrio entre desafio e respeito, entre resiliência e ambição, torna ainda mais interessante e desejosa a ida ao continente gelado!
Existe a possibilidade de regressarmos à Antártica no próximo verão. Como não foi possível conhecer a EACF (os alunos estiveram lá por apenas 15 minutos levados por helicóptero a partir da base chilena e os professores nem isso), a Marinha se comprometeu a tentar nos incluir em um dos voos da operação XXXIII do Proantar para que possamos conhecer a base brasileira e também passar algum tempo na Antártica, fazer algumas das trilhas, conhecer os laboratórios de pesquisa nos navios e tudo o mais que estava nos planos originais. Porém, todo o comando da operação irá mudar a partir do meio do ano, então fica pendente saber como o novo comando vai considerar isso.
Ou seja, o sonho ainda não acabou. Estamos na torcida para que o próximo comando se lembre de nós e nos convide a realizar o sonho de forma mais completa, enfim conhecendo a estação brasileira, acompanhando os trabalhos de pesquisa, caminhando na neve, vendo pinguins e focas… Torçam por nós!